sábado, 21 de maio de 2011

Da série "Por amor à Palavra": Parte II - Postado em 11/01/2011


Sobre um mundo encantado em um sofá azul

Desde pequena fazia do mesmo jeito, se não era a almofada gigante jogada no canto da sala, era em cima do sofá azul. Se jogava no macio, com um livro em uma mão, o urso de pelúcia preferido em outra, e o gato malhado vindo atrás.
Passava pelo menos duas horas de sua tarde encostada em um de seus lugares preferidos, descobrindo cada nova história que sua mãe trazia para ela sempre que podia.
Deu várias voltas ao mundo em menos de oitenta dias, descobriu países maravilhosos, se olhou através de espelhos mágicos, e deparou com tantas espécies de animais falantes – alguns usavam até roupas.
Da cozinha ou do quarto, a mãe escutava as gargalhadas que vinham da sala, e acabava rindo sozinha também. Nas tardes de sábado o pai preferia deixar o jornal de lado, para observar as feições de felicidade da pequena criatura que, vez ou outra, parava a leitura para contar alguma parte da história para o felino sonolento que se mantinha ao seu lado.
Os dedos passavam as páginas avidamente. Na cabeça idéias borbulhavam, sonhos aconteciam e verdades se formavam.
Agora não tinha mais tantas tardes para gastar visitando novos mundos. Quem mais a observava era o relógio, que, com seu insistente tique-taque, tomava lugar ao lado de um velho urso de pelúcia na prateleira empoerada do quarto. No apartamento que dividia com a amiga, várias fotos do gato de duas cores que costumava percorrer distâncias ao lado da dona – ás vezes tinha a certeza de que era um cão disfarçado, só podia!
E, ali no cantinho do quarto, um Sofá Azul mantinha seu posto, guardando as histórias que foram vividas, as marcas do pequeno corpo de menina que tanto acomodou, e, em meio a bolsas, livros e roupas emboladas, memórias que não deveriam ser esquecidas.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Da série "Por amor à Palavra": Parte I - Postado em 10/01/2011


Dos Inícios

Segunda feira, o dia do desânimo, do “ah nem, mais uma semana…”, do “hoje eu começo!”. E por ser dia de desânimo acaba sendo também o dia do “eu deveria ter começado”…
Hoje eu comecei. Sem querer, comecei uma das minhas resoluções de toda virada de ano – aquela que eu nunca consegui passar pelo primeiro dia-, fazer exercícios físicos.
Estava em casa, sete da noite, deitada de pernas cruzadas, olhando de lado minha tatuagem recém feita, assistindo – mais uma vez – a terceira temporada de Bones, mordendo um delicioso Ferrero Rocher, quando meu telefone tocou, piscando o nome do meu melhor amigo. Atendi e logo ouvi um “Vamos caminhar? =D”.
Pensei por um momento – com aquele usual desânimo -, olhei o Ferrero Rocher – o creme de avelã suculento chamando por mim-, olhei a gordorinha abdominal extra, e não pensei de novo. “Vambora!”, fui respondendo.
Corre procurando a legging, corre procurando o tênis, corre procurando a camiseta que usou uma semana na academia – porque não voltou mais, mesmo trabalhando nela; olha no espelho cheia de orgulho, dá aquela alongada se achando super capaz, pega a garrafa d’água e sai portão afora, andando com cara de atleta.
Não foi tanto assim, mas foram divertidos quarenta minutos que esperam ser gastos todos os dias por um bom tempo. Foi um início em uma segunda feira que não me deixou esquecer que não eram só as pernas que deveriam se exercitar no começo dessa nova semana.
Daí os dedos formigaram, contando assim pro resto do corpo, até a cabeça entender… era hora de escrever.
Boas segundas para vocês!


Shantal-lis

terça-feira, 10 de maio de 2011

Dos fins, dos meios, e da fé ao final das contas

Com a mão direita, pousou o santinho sobre o caminho de tricô que ornava a mesa da cozinha. De mãos livres, revirou duas ou três gavetas do armário próximo à entrada, conferiu o que estava escondido atrás das portinholas sobre a pia para, enfim, dentro do pote de porcelana sobre a geladeira azul clara, encontrar o rolo de barbante que costumava guardar para tal ocasião.
Usou a fita métrica para medir os usuais quarenta e cinco centímetros e cortou o barbante com a tesoura de costura. Sentou-se na cadeira mais próxima ao santo, de cabeça baixa, concentrando-se nos desejos ansiados, enquando dava com cautela três nós em uma das pontas do cordel.
Por um momento seus olhos cruzaram com os pequenos olhos pintados do Santinho que carregava o menino no colo. Sentiu pena.
Aprendera a simpatia quando criança, observando de perto as tradições ensinadas pela avó, nunca duvidando do resultado. Mas ao olhar fundo nos olhos do santo de gesso, por um momento repensou o que estava prestes a fazer.
Seu Santinho nunca havia falhado antes. Seria pela coação ao ser deixado de ponta a cabeça toda vez, ou seria porque, apesar de estar de cabeça para baixo, considerava mais o coração da menina que tinha um desejo do que os fins que usava para justificar os meios?
Resolveu dar ao santo o benefício da dúvida.
Enrolou com jeito os quarenta e cinco centímetros do barbante com três nós na ponta, e guardou-o novamente no pote de porelana. Com a mão direita, levantou o santo, tirando-o do desconforto e da tensão do tricô sobre a mesa, devolvendo-o ao seu lugar cativo no pequeno altar da sala.
Fez um sinal da cruz, por via das dúvidas, e saiu faceira porta a fora, arrastando a longa saia rodada pelo chão, de consciência limpa pela boa ação realizada, e com a fé inabalada batendo no peito.
Porque tudo daria certo, como sempre dera.