quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Sobre rosas, partidas e recomeços avessos


Posso te contar um segredo? Eu não pensava muito em você. Não tinha motivos, afinal, você estava lá no seu canto, fazendo suas coisas, curtindo seus amores e fazendo sua vida. A singela ligação sanguínea já bastava. Só essa certeza já acalentava o coração.

Sim, eu lembrava de você quando passava um episódio da sua série favorita na TV - das poucas coisas que tínhamos realmente em comum -, ou vinha na cabeça uma história nossa a ser contada em uma roda de amigos.
Quando a vida resolveu mostrar o lado sombrio da lua dela, acabou te trazendo, de formas bem avessas, pra perto de mim e do meu mundo, me fazendo pensar também na minha própria vida. Entre sorrisos, lágrimas, esperanças e desconsolos, você bem me ensinou, em um ano, o que não pudemos aprender juntas numa vida inteira, por falta de oportunidade ou de vergonha na cara. Tanta falta de vergonha na cara que percebo pela ausência de nós em fotos e em palavras.
Onde estão as mensagens trocadas, os olhos vermelhos pelo flash que não ajudou? Eu jurava ter filmado você, em meio às minhas gargalhadas, dormindo como um filhote, enquanto seguíamos estrada a fora naquela que seria nossa última viagem. Se filmei, se perdeu também...
Engraçadas são as coisas... Há dezoito meses não te temos mais e, desde então, não há um dia em que eu não pense em você. E todos os momentos sem imagens impressas passam como filme dentro desta cabeça de cabelos mal coloridos.
Aprendi o que é a tal da ausência de verdade e como ela é capaz de trazer uma presença cruel no coração da gente. Não tenho mais pudores para dizer o quanto eu e minha vida mudamos depois de você, por você. Mas, ainda assim, o peito se parte em muitos quando preciso admitir pra mim mesma que foi necessário você ir para que eu pudesse chegar. 
Como eu queria, hoje, poder te mostrar as coisas todas que você despertou em mim. Dividir fotos, mensagens, cinemas e conversas fiadas, feito a época em que tudo se resumia em qual roupa de boneca ficará com quem em qual dia.
Às vezes, me pego por horas pensando o que teria acontecido com essas nossas vidinhas mundanas, caso eu não tivesse recebido aquela ligação, às cinco da manhã daquela quarta-feira. Aquele dia cruelmente bonito, a estrada estranhamente serena, a última rosa despetalada, dedicada à principal delas.
A vida é curta e a vida é má, mas entre todas as desavenças e mágoas, você conseguiu me dar, também, a certeza de como a vida pode ser mágica.
As covinhas e pintinhas na bochecha que sobressaem com o seu sorriso ficarão para sempre em mim, como ficará aquele dia em que você entrou pela minha porta, disfarçando a excruciante dor, só pra dizer, sorrindo, como ficou legal a mais nova cor maluca que meu cabelo resolveu assumir.
De tudo que nunca vou conseguir entender, fica aquela canção, dizendo que "sometimes, it's just roses dying too young"...

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Oblivion (ou a tentativa ainda frustrada de tirar você da minha vida)

Pinterest
Foi tão intenso quanto qualquer sonho que já pude ter. Você estava lá, me olhando te olhar. Mergulhando as pernas na água, sentado na beirada da piscina, apoiado nas duas mãos que repousavam numa linha pouco atrás das costas, sorrindo pra mim, com aquela inconsequente mecha do seu cabelo macio e cacheado caindo sem pudores sobre seu olho esquerdo. E você me olhava assim, com cara de quem sabia que eu não poderia resistir a este detalhe.
Eu te olhada por detrás da sacada da janela, sentindo a cortina roçar de leve na minha pele, movimentada pelo toque do vento. Fazia sol e eu podia jurar que todo ele brilhava ao reflexo do seu sorriso. Sorri de volta, tendo uma parte de mim inconformada por ceder à conquista, mesmo que um pouco apenas.
Olhava para a água e para as ondas que seus pés causavam nela. Lembrava dos seus pés entrelaçados nos meus e as ondas de sentimento que isso causava em mim. E seus longos dedos acariciando meu ombro enquanto meu indicador brincava com esse mesmo pedaço rebelde de cabelo, deixando-o cair mais uma vez sobre seu rosto, enrolando-o e desenrolando-o outra e outra vez, feito nossa história.
Pensei em todas as vezes que a luz do sol entrava sorrateiramente pelas gretas na janela, em todas as nossas manhãs de domingo, incomodando suas pálpebras e me fazendo rir enquanto você reclamava de novo e de novo.  E pensei no vento, esse que roçou a cortina em mim e que, como num passe de mágica ou no espaço de tempo de uma piscada, te levou para outros mares, deixando suas cores.
Olhei da sacada da janela seu sorriso que ofuscava o sol. Acordei com a luz entrando pela janela. Era manhã de domingo, mas éramos, então, só eu, a saudade e a cortina que não sabia mais em quem tocar.


quarta-feira, 19 de março de 2014

Estrelas

Aquecida pelas ondas de calor que saiam do chão, no início da noite, ela olhava as estrelas apontando no céu, ali, deitada com seus pensamentos. Lembrava de que, uma vez, quando era pequena, ouviu alguém de dizer que quando as pessoas vão embora elas se tornam estrelas. Ela não sabia qual estrela, em meio a milhões delas, era a dele, então para cada uma delas que despontava no céu escuro, ela dizia “Sinto sua falta.”
As estrelas, todas elas, como se compartilhando do sentimento da garota, pareciam brilhar mais forte, agradecendo pelo gesto. Se cada estrela era de fato alguém que já se foi, de certa forma, elas saberiam que alguém ainda sentia saudades. E ela repetia esse ritual todas as noites, por muito tempo…
Naquela noite em especial uma estrela brilhou mais forte. O brilho diferente a fez sentir uma comichão gostosa no coração. Ele estava ali, ela podia sentir. O calor e o perfume dele foram, por um momento, reais novamente. Até que ouviu alguém sussurrar em seu ouvido “Eu vou estar sempre aqui.”
A partir daquele instante ela quase esqueceu o quanto a vida fora injusta ou o quanto doía o “nunca mais”. A breve presença dele deu a ela a liberdade de ser feliz. Ela soube ali que, por mais que ela se sentisse só, ela nunca estaria só.
“Obrigada” foi o que ela disse ao se despedir daquele céu estrelado. Deixou pra trás o peso no coração e abriu espaço para o amor infinito que ela entendeu que seria “para sempre”.

*Texto escrito e postado em 02/11/2009 num blog quase esquecido, numa época em que eu ainda não sabia o que era perder alguém...