segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

dos primeiros...


Tive tantos primeiros amores, e de cada um me lembro como se fosse ontem. O primeiro amor da infância, aquele do pré-primário, que me repreendeu - e surpreendeu - no parquinho, me chamando para ir logo para a fila, pois o sinal do término do recreio havia tocado. Foi a primeira vez que falou comigo, e meu coração de seis anos de idade quase não se aguentou de felicidade.
Lembro do primeiro amor da pré-adolescência, que eu também costumo chamar de "o amor dos onze anos", em que o carinho dele era demonstrado com aporrinhações dentro e fora da sala de aula, e o meu "amo você", era dito em tapas, soquinhos e caretas. Ainda vale sorrisos.
Depois veio o primeiro amor platônico, aquele absolutamente improvável, que me fez o sonho de conhecer a Irlanda e me deu a certeza, aos treze anos, de que ninguém nessa vida me faria mais feliz que aquele loiro de olhos azuis, nove anos mais velho, que não fazia idéia da minha existência. Chorei vezes e vezes, ouvindo a voz dele no CD que ganhei da minha mãe no Natal. Ofereci-lhe meus beijos de boa noite durante noites seguidas de meses sem fim, através do pôster de revista colado na parede, em cima da minha cabeceira. Ele velou meu sono por mais de um ano...
Tive também, como não poderia deixar de ter, o primeiro amor adolescente. Afinal, que garota, aos 15 anos, resistiria ao cara três anos mais velho (quase um adulto), de cabelos longos e embaraçados, com um belo futuro como rockstar pela frente? Meus olhos cegos de menina apaixonada não resistiram. Pena que os olhos dele não me enxergaram também. Pobre daquela eu de apenas 15 anos, que não fazia idéia que seu amado ia, daí a pouco, cortar o cabelo e colocar um terno pra viver.
Daí encontrei mais um amor, talvez o mais marcante de todos os amores, o meu primeiro amor correspondido. E foi a primeira vez que entendi o amor mesmo, descobrindo muitas outras primeiras coisas, assim como me olhar no espelho e me ver, pela primeira vez, com os olhos apaixonados de outra pessoa.
E fiz meu primeiro aniversário de namoro, sofri minha primeira verdadeira decepção, vivi meu primeiro término, sorri minha primeira reconciliação. Desde então tenho vivido tantas primeiras memórias, que aprendi a perceber o eterno de cada uma.
Cada amor que tive, foi infinito no tempo que durou, que dura. E, por isso, agradeço a todos eles. E eu sei, já entendi, que não existe tal coisa como o "pra sempre". Como haveria ele de existir, se eu mesma me reinvento a cada manhã?

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Das variações do ciúme: do ciúme da lembrança



Sou ciumenta, definitivamente sou. Tenho ciúmes das minhas lembranças. Do meu namorado eu deixo passar, aprendi que um pouco de desapego faz bem, mas não me venha se colocar em lembranças da minha história e que você não estava. Prezemos o bom senso!
Não me venha falar que você era mais fã de Westlife que eu, pois logo perguntarei qual a data de nascimento do Mark e qual a segunda faixa do terceiro disco deles. Fui eu quem beijou por noites a fio o pôster gigante colado na parede e fez brigadeiro de colher pra comemorar os 23 anos do Kian. E que chorei a distância, e que fiz simpatia pra me casar com ele. E só elas participaram dessa jornada comigo.
Eu e minhas amigas éramos cinco. Quatro por um tempo, depois cinco. Inseparáveis e estranhas. Nadávamos contra a maré, mal percebendo que a correnteza era pro outro lado. Éramos felizes assim, nesse mundinho nosso de cinco amigas com quatorze anos. Cinco adolescentes que usavam batom preto na escola pra comemorar o halloween e preferiam AllStar a Nike Shoks. Ganhamos alguns inimigos e nem ligamos. Sentávamos no mesmo banco de madeira toda sexta-feira após a aula e jogávamos conversa fora, ríamos sem parar e sonhávamos juntas. Uma historinha a la “Quatro amigas e um jeans viajante”,  sem calças mágicas, mas real.
Éramos as “Witch”, aquelas bruxinhas boas da revista mensal, lembra?  Cada uma com uma inicial, sem brigas ou confusões. Guardávamos os brindes a cada mês, e eu usei até quebrar aquele Coração de Kandrakar que, para mim, era muito mais que uma bola de gude e acrílico, era parte da nossa magia. Éramos perfeitas assim, e mantenho viva essa memória, apesar dos dez anos que nos separam. Então alguém resolve, sem sequer pedir licença, se intrometer nessa memória, e relembrar com tanta nostalgia uma história que foi minha, minha e delas, e ainda dizer que nunca se esquecerá. Acho que, pela primeira vez, eu realmente soube o que é sentir ciúmes. Senti meu coração aberto com uma chave que era cópia, senti que roubavam de mim aquele presente inestimável que quem me deu nunca mais dará outro. Senti uma pontada de raiva, confesso.
Senti pena. Talvez aqueles anos bons, aquela vidinha estranha que eu tanto estimo, tenham sido admirados por alguém que nem sequer me disse “oi” alguma vez na vida. E me senti feliz, por ter sido uma das protagonistas daquela amizade que começou no início dos anos escolares e foi crescendo, ao pegar emprestado um corretivo e ao cruzar muitas vezes nas oficinas de teatro.
Sinto ciúmes das minhas lembranças, porque me dói tê-las deixado no passado. Sinto falta das minhas outras metades, outras quatro metades, que me deram o privilégio de viver uma adolescência sem traumas, onde os sonhos eram possíveis e a realidade podia ser vivida numa boa, ao som de nossas vozes desafinadas cantando no recreio.

Sobre marias e retalhos - Mal-entendidos



Ele não tava afim de mim. Claro que não! Essa mania de confundir as coisas é que me mata. O tempo todo a Mari disse “vá com calma, pode não ser desse jeito”, mas claro que eu preferi ignorar a racionalidade dela. Pensa só, o cara ri das suas piores piadas, encosta como se fosse normal, sempre puxa um papo e nunca te deixa de lado. “Lis, com certeza tem algo mais”, bem o que a Nana falaria. Essa Ana Maria ainda vai ser escritora, e das boas! Nunca vi mente tão fértil pra criar situações e nos fazer acreditar nelas. Me fazer acreditar nelas. A Mari é racional demais pra se levar pelas lorotas da Ana , a não ser que seja muito do interesse dela.
Enfim, o cara não tava afim. E eu bem pensei que podia rolar alguma coisa ali. E muitas pessoas bem que pensaram também. Só ele que não. Ele e a loira do cabelo perfeitamente ondulado, com efeito maresia em pleno inverno, com quem ele dividia um milkshake. Talvez meu jeans remendado no bolso de traz e minha velha camiseta dos Stones  - aquela com uma foto da época em que o Mick era gato e minha mãe tinha pôsteres dele colados na parede - não valessem assim dois canudos um copo só. Me dei mal nessa, mas acho que só eu percebi. Bom, eu, a Mari – que fez questão de soltar o velho “eu te avisei” (nada dá mais prazer a ela que um bom “eu te avisei”), e a Nana - que sabe como ninguém usar os meus fracassos para o bem e sacou logo o caderninho de anotações que dei pra ela no último aniversário, para escrever alguma hitória inventada na hora.
Sabe o que mais, dessa vez nem foi tão ruim assim. Pelo menos eu sei que, apesar do canudo duplo, quem tomou todo o shake foi ele. Cabelos perfeitos sempre acompanham dietas.  O meu seria um duplo de baunilha com raspas de chocolate, aquela maravilha que só o seu Antônio da lanchonete faz. Coloquei meus fones, liguei meu iPod na lista “pós erros de percurso” (a que fica logo abaixo da lista “dessa vez rola”), e fui andando calçada a fora olhando com tristeza meu velho AllStar vermelho que começou a rasgar. Atrás de mim, vinham minhas amigas que nem ligavam para o meu isolamento sonoro, só se preocupavam mesmo em discutir mais uma vez essa história de quem estava certa afinal.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Marias e Retalhos - Do inesperado (Lis)


Já dizia minha avó “Cuidado, Maria Elis, com o que você pede aos céus. Um dia seus pedidos podem ser atendidos, e você pode não gostar do resultado”. Palavra de avó é feito praga. É bater e valer, feito aqueles dias em que elas dizem “leve um guarda-chuva, porque deve chover” e você olha o céu sem nuvens e pensa “bobagem!”. Na certa vai chegar em casa ensopada.
Pois bem, conheci o Vicente nas férias de janeiro, quando fui visitar minha mãe. Ele estava passando uma temporada na minha cidade. E cidade pequena é assim, chega um forasteiro e a população toda é só cochichos. Logo fiquei sabendo que ele era estudante de Medicina Veterinária, gostava de cuidar de animais pequenos e já tinha tirado espinho da pata e cuidado de peladeira de uns 4 ou 5 cachorros de rua dali das redondezas. Tinha os cabelos lisos e castanhos, cílios grandes e um sorriso aberto o tempo todo.
Nos esbarramos na fila da padaria. Me deixou passar na frente, mesmo estando com uns cinco produtos a mais que ele. Enrubesci, como de costume, e abaixei os olhos. Meio sem graça ele puxou assunto e, quando percebi, já estava na porta de casa agradecendo a gentileza por ele ter me ajudado com as sacolas.
Nos encontramos todos os dias a partir daí todos os dias por volta das três pra tomar um sorvete e bater um papo no banco da praça. Ritual de cidade pequena. Ele me contou que o pai foi ausente, tivemos sobre o que conversar, afinal o mesmo acontecia comigo. Disse também que demorou vinte e quatro anos para a mãe enfim revelar a identidade do pai, e que resolveu seguir numa busca pelo rapaz, que agora seria um senhor, responsável por metade dos seus cromossomos. Ele tinha a voz mansa, uma gargalhada gostosa e, por um momento, eu fiquei na dúvida se aquilo era só uma boa amizade começando. Pensei nele antes de dormir, e durante as refeições. Mais uma paixonite não, não podia ser! De fato, não podia...
Muitas tardes e papos mais tarde eu resolvi que não faria mal chamá-lo pra alguma coisa mais, que mal haveria de acontecer? Calcei uma sandalinha, dei uma caprichada no gloss e segurei as borboletas no estômago.
Encontrei Vicente uns quinze minutos depois, sentado na escadaria da igreja, de cabeça baixa. Me aproximei e perguntei por fim o que havia de errado. Ele pediu que eu sentasse.

- Lis, você não faz ideia do quanto meu tempo aqui tem sido divertido, muito disso é por sua causa. Todas as histórias que eu te contei, bom, eu não sou muito bom em me abrir com ninguém, não assim... principalmente sobre o cara que é meu pai. Ou deveria ter sido.
- Eu imagino, eu também tenho lá minhas travas pra falar nesse assunto. É mais fácil quando a gente encontra alguém numa situação parecida.
- Verdade... eu te disse também que resolvi procurar esse cara, e não é a toa que eu vim parar aqui. Fui seguindo pistas, histórias de vizinhos, conhecidos da minha família, e todo esse trajeto me fez chegar nesse lugar. Daí eu conheci você, que me contou toda sua história, suas aflições. Já reparou como a gente é parecido?
- Claro que reparei, nós temos uma história parecida, isso nos torna um tanto comuns um ao outro.
- Não é disso que eu tô falando. Bom, disso também, mas, mais do que isso. Olha seu dedo do pé. É mais curto que os outros. E você é alérgica a carne de porco. E tem os cílios grandes.
- Sim, eu sei disso. O que é que isso tudo tem a ver com tudo?
- Eu também tenho. Olha só – ele desamarrou o tênis e descalçou a meia do pé direito. Vê? Igual ao seu. Repara nos meus olhos – como se eu já não tivesse mergulhado neles desde o princípio, pensei.

Tremi por um instante, não queria ouvir mais nada.

- Eu sou seu irmão, Lis. A gente veio do mesmo lugar. A gente passou as mesmas coisas por culpa da mesma pessoa. E a gente não pode se dar nem ao luxo de comer bacon por causa dele também.


Eu não sei dizer o que aconteceu naquela hora. Meu cérebro congelou, meu coração doeu e uma raiva imensa me inundou. Só conseguia lembrar de quando era pequena e, antes de dormir, rezava para o santo que estivesse acordado me mandar um irmão mais velho pra cuidar de mim. E lembrei da minha avó. Eu apresentei o vicente pra minha avó. E ela reparou nele com curiosidade. Ela percebeu alguma coisa. Eu sei que percebeu.
Acho que deixei Vicente falando sozinho sentado na escadaria da igreja. Saí sem rumo certo tentando não derramar tudo aquilo pelos olhos. Só caí em mim quando percebi que estava sentada no sofá forrado com uma das colchas de retalhos que minha avó adorava fazer. Eu realmente precisava de alguém pra conversar...

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Lia "Sabrina" estirada na canga florida, enquanto se bronzeava sobre a areia quente da praia movimentada. Mas fazia questão de arrancar a capa do livro impresso em papel jornal, para não ter que admitir a breguice dos seus gostos, como ela mesma dizia.
Todo mundo tem seus segredos e deixa de beber uma taça ou duas de vinho, dispensa o copo de vodka e a possibilidade de entrar num porre que ameace sua capacidade de esconder informações. Todo mundo tem um segredo a continuar escondido, seja um desejo proibido ou o gosto duvidoso por romances de banca de jornal.

domingo, 20 de maio de 2012

Dos escritos - Santiago


Seu nome é Santiago, pelo menos foi o que me disse. Não me preocupei em perguntar sobrenome ou qualquer informação de sua origem. Não era importante saber, seus olhos já me tomavam toda a atenção.
Apareceu na minha vida sem mandar nota de aviso. Chegou assim, como quem vem com o vento. Como se fosse o próprio vento. Não fazia do tipo brisa de tarde de primavera, era vento que precede tempestade, daqueles que ajudam a lavar a alma, ou a bagunçá-la ainda mais.
Ele se acomodou ao meu lado enquanto eu sentava debaixo de uma espatódea que soltava suas flores escorregadias e alaranjadas ao chão. Eu tinha no colo o caderno que Hanna me deixou e um lápis – não tinha ali paciência para escrever de caneta, era definitivo demais. Senti eriçarem-se os pelos aloirados do meu braço direito, senti um arrepio por todo o corpo. Percebi aquela presença inesperada, mas não me assustei. Deve ter sido um de seus truques.
Da mesma forma que veio, foi. Sem dar sinal de nada. Mas como vento que venta e faz tudo em volta desabar, sua marca ficou em mim. Sua voz mansa, suas histórias engraçadas e malucas, sua mania de falar em segunda pessoa e usar palavras antigas, seu jeito de me enlaçar numa conversa e fazer o tempo parar. Eu sabia que tudo aquilo era demais pra mim, que meu estado emocional não suportaria um rojão assim, mas deixei pra lá. Deixei pra lá, mesmo sabendo que os sorrisos e gargalhadas se transformariam num grande poço dentro de mim ao final das contas. Porque ele é assim, carrega consigo sua inconseqüência e suas vontades realizadas.
Eu cedi um pouco, eu sei. Falei de medos, de lembranças, de esperanças. Falei um pouco demais. E apesar do abalo sísmico causado no meu espírito, do coração gritar de desejos e anseios, tranquei essa loucura em algum lugar e de alguma forma disse um suado e difícil “não”. “Não desse jeito”.  Eu não era tão livre assim afinal. Enquanto eu me torturava por dentro, ele percebeu que não podia mais permanecer. E suas palavras foram ficando distantes, mesmo que eu as puxasse para mim. Ele foi como vento que precede tempestade. Vem intenso, mexe com a alma da gente e venta pra outro lugar.
Santiago agora venta em algum lugar que eu não conheço, e o que eu posso fazer é esperar, pois sei – pois espero - que ventos hora ou outra voltam. Tento manter quieto dentro de mim esse sentimento estranho que me cututca com pontadas que causam dor. Entendi enfim o que meu coração o tempo todo tentou me dizer: pior saudade é a do que não aconteceu.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Do outro lado dos escritos - Parte I


Então Hanna foi. Sem medo, sem receio. Talvez sentisse medo e receio, mas não deu importância. Deixou pra trás quem mais amava. Sabia que decepcionara a irmã no dia de seu aniversário, mas precisava fazer. Era naquela hora ou nunca seria. No coração levava a esperança de que um dia eles entendessem.

Que será que pensavam? Que fugiu com um namorado? Não foi assim. Que enlouqueceu? Que alguém a forçou a isso? Eles provavelmente pensavam tanta coisa. Mas só ela sabia o verdadeiro motivo dessa mudança. Isso, mudança era a palavra. Para ela aquilo não era uma fuga, mas uma busca.

Ela tinha planos que não se encaixariam na bela moldura da foto sobre o aparador da sala. Seus sonhos eram sem tamanho, sua vontade sem limites, sua estrela precisava brilhar. E ela foi. Com o futuro nas asas, levou lenço, documento, o retrato da irmã e um coração pulsante. Havia pensado muito, havia estudado as possibilidades e medido, de alguma forma, as consequências. E pela primeira vez teve coragem de ouvir o coração.

Saiu pela porta e tentou não olhar para trás. Apertou no peito a medalha dada pela avó e, num suspiro, seguiu seu novo caminho.

Um dia eles entenderiam...


sexta-feira, 2 de março de 2012

Um aniversário bem Azul



Eu só tinha uma idéia, um nome que não saia da cabeça e uma cor. Tinha também algumas frases aleatórias encontradas web a fora. Misturei tudo numa tigela transparente, com cuidado pra não perder o ponto. Reparei no tom, cheirei a massa, admirei cada ingrediente. Botei pra assar, sem pensar muito. Deu no que deu.
Hoje não é  mais só uma idéia, um nome e uma cor. Hoje é tudo um pedaço de mim, daqueles que não dá mais pra tirar sem causar sérios danos. Hoje as palavras ganharam vida, histórias tomaram forma, inspirações viraram memórias. E eu sou tão feliz por isso.
Tenho na lembrança cada inspiração responsável por cada texto, por menor que seja. Cada pessoa que disse, me disse, me fez contar uma história. E eu agradeço a coda uma, silenciosamente, com um doce e despretencioso beijo na testa, mesmo que elas não saibam. Eu sei, o Sofá sabe. :)
Não é todo dia que se comemora cinco anos de amizade, como eu faço hoje com o meu Sofá. Isso merece comemoração. Das boas. Uma festa! Cheia de palavras convidadas, memórias imaginadas e gente, todo tipo de gente, trazendo todo tipo de história. Isso significa muito trabalho por fazer.
O vestido azul, minha cabeça sem querer escolheu por mim. Agora devo preparar a decoração. O sinal apita, o bolo está pronto. Volto às minhas tarefas. Mas a gente continua se vendo, se encontrando, entre sonhos e memórias, numa esquina da vida, aqui sentados nesse Azul, por mais alguns - bons - anos.

Até sempre. ;)




domingo, 26 de fevereiro de 2012

Amarelos, sorrisos e azuis

Meu sofá não foi sempre azul. Não foi.
Quando tinha, sei lá, uns seis anos ou sete, na sala do grande apartamento tinha um sofá velho. Lembro de ter sido de algum parente não muito próximo, sei lá. Essas coisas que vão passando de um pro outro e por fim das contas ninguém nunca sabe de onde veio. O sofá era amarelo meio vômito, esquisito. Mas minha mãe gostava. Ela tinha alguma memória com aquele sofá, coisa que nunca teve coragem de contar pra mim ou pra minha irmã. Ou pra quem quer que fosse.
Minha mãe sempre foi do tipo caladona, mesmo antes da depressão ter sido oficializada. Mas ela não foi sempre triste, tinha o sorriso mais bonito do mundo pra mim. Eu via as fotos de quando ela era criança, aquelas fotos amareladas com o tempo, feito o velho sofá amarelo vômito, e eu brincava de imaginar as coisas que ela fazia, as artes que aprontava. Minha mãe sempre foi uma mulher linda, apesar das memórias que guarda.
Um dia teimei, quebrei a regra sagrada da sala e num dia tedioso peguei minhas aquarelas, pincéis e guaches e resolvi pintar quadros na sala. Arredei com pouca dificuldade minha mesinha de atividades e me sentei confortável no sofá de histórias da minha mãe. Busquei o potinho d'água para lavar o pincel manchado de azul do céu que desatinei a desenhar. Esfreguei as cerdas no fundo do pote, me diverti com o barulho da água, comecei a rir do pequeno rodamoinho que se formou no copo. Não vi o tempo passar. Assustei com o barulho da porta se abrindo, mamãe voltava do mercado, deixei cair tudo. Tinta, pincel, água azul. Deixei cair tudo no sofá que deixou de ser tâo vômito assim.
Ela ficou em estado de choque por uns dois minutos talvez, mas não gritou, nem um berrinho sequer. Foi para a cozinha deixar as sacolas, voltou com um pano seco e começou a secar a água do chão. Recolheu os potes de tinta e a tela meio pintada, guardou meus pincéis no armário. Tentei me desculpar, com os olhos marejados pela estupidez que tinha feito. Ela não deixou. Levantou a mão direita como quem diz "não precisa dizer nada", e olhou mais alguns instantes para o sofá molhado, agora meio amarelo, meio azul ralo de guache.
Sentou-se no chão e admirou o móvel. Me olhou nos olhos e sorriu. "não é uma linda cor esse azul?". Sorri sem graça e fiz que sim com a cabeça. Ela sorriu seu sorriso mais bonito e me pegou pela mão. "amanhã mesmo mandarei reformar. Que você acha de começar novas memórias num sofá bem azul, que seja alegre como um céu sem nuvens? Já estava mesmo cheia desse amarelo cor de vômito. Parece vômito, não acha?"
Abracei-a sem dizer coisa alguma. E guardei na memória aquele sorriso mais bonito, a minha primeira memória desse sofá de histórias, esse sorriso que sei que ainda existe em algum lugar dentro dela, e que espero voltar a ver algum dia.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Eu poema - quando Leminski me faz perder a prosa




Sonhei que era um poema do Leminski,
Daqueles curtos, mas expressivos
De palavras escolhidas a dedo e rimas sem obrigação

Sonhei que era um poema do Leminski,
Feito de intensidade e leveza,
Um poema de certezas e vontades

Sonhei que era um poema.
Sempre fui prosa, mas deixei-me levar pela magia
Essa sutil simpatia do Leminski.

Acordei poesia.

 

Para uma -eterna- melhor amiga



Se eu bebesse (e você também), te levava pra tomar uns porres e afogar as mágoas.
Mas eu não bebo, nem você (??), então o jeito é te pegar de papo no telefone, falar besteira até cansar e ouvir tua risada, que vale mais que qualquer dinheiro inesperado encontrado no bolso da calça que tava no fundo da gaveta.
Mesmo em toda ausência eu estou sempre com você, pra você, por você. Pra dividir porres imaginários, altas contas de telefone e tudo mais que houver nessa vida.
Pra sempre existe e a gente fez ele acontecer há muito tempo.

You're still my best friend...

domingo, 22 de janeiro de 2012

 Saudade é um trem. Um trem mesmo. Descarrilado, desenfreado, queimando carvão dentro da gente, enfumaçando a cabeça, num barulho ensurdecedor. Um trem sem pressa de chegar na estação. Mas a gente tem pressa.
Saudade é assim, a gente até dá a mão, mas ela só se contenta com o coração. Inteiro.

Mascote

Todo time tem um mascote, muitas irmandades e associações têm mascote, e agora, o Sofá Azul também tem. :)
Essa bonequinha super fofa foi presente da minha prima Sarinha, que me surpreendeu ao me enviar uma mini eu, de cabelos verdes, sentada num sofá azul. Fui nas nuvens de alegria. Por isso, nada mais justo que ela seja representante do blog, que é parte de mim, da minha vida, e de tudo que eu penso.


Charme ela tem demais, cores também, e muita, muita imaginação. Só não tem um nome :(
É por isso que, ao apresentá-la, peço aos leitores do Memórias de um Sofá Azul sugestões para um nome que possa ser dela.
Não é concurso cultural nem tem prêmio no fim, mas o nome que tiver mais a ver com a gente vai ser oficializado. :)




Conto com vocês! ;)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Dos escritos - Lembranças


Olhava no espelho e tentava lembrar da menina de cabelos longos embaraçados e as mãos sujas de lama, como sempre acontecia nas férias de julho. Buscava na memórias as broncas da mãe, que enlouquecia ao ver sujo o vestido azul da caçula. Tentava se lembrar das feições da irmã mais velha.
Hanna era tão bonita, com seus cabelos castanhos, tão diferentes dos seus, louros como o sol. Não gostava de prender os cabelos, na verdade nunca gostou de nada que a prendesse qualquer que fosse o motivo. Usava shorts e camisetas largas, a contragosto da mãe, e seus tênis imundos, dizia ela, guardavam suas histórias. Hanna era uma garota bonita, de olhos verdes e cílios compridos, traços finos e um sorriso modesto, e uma cabeça diferente de tudo que Ellie conhecia.
- L, olha aqui! Tá vendo essa lagarta? Feia, neh? Mas daqui a pouco ela vai deixar de ser assim, sem graça, e vai virar uma borboleta tão bonita como as que você gosta. Eu também vou. - e sorriu pra irmã, sem dizer mais palavras.
Quase doze anos depois, já não existia mais o cabelo dourado nem as mãos sujas; o coração suplicava por uma bronca, ou qualquer tipo de atenção vinda da mãe, que perdera a tempos o brilho dos olhos. Virou o rosto na direção da janela e esperou ver, quem sabe, uma borboleta colorida que a fizesse voltar, de verdade, no tempo.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Meu horizonte

 Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.

Poema do beco - Manuel Bandeira (1933)


Saudades desse (belo) horizonte...

Gostava de me apoiar no parapeito da janela e reparar o movimento no estacionamento do Mercado. Tentava enxergar qualquer coisa que me desse uma pista da vida atrás das janelas dos prédios quase vizinhos. Olhava o céu azul e me perdia... Podia ver o pôr-do-sol e as primeiras estrelas, o relógio do JK acender e me avisar quando era tarde. Podia ouvir o silêncio que existe por baixo dos barulhos do trânsito, e me sentia viva. A vista tinha um cheiro próprio, sim, um cheiro, um som, quase tocável. Uma mistura de sentidos que me inundava de pensamentos. E eu sorria sozinha e observava por horas a fio, até que alguém girasse a chave na fechadura barulhenta da porta. Certas saudades só a gente sente.