terça-feira, 30 de outubro de 2012

Das variações do ciúme: do ciúme da lembrança



Sou ciumenta, definitivamente sou. Tenho ciúmes das minhas lembranças. Do meu namorado eu deixo passar, aprendi que um pouco de desapego faz bem, mas não me venha se colocar em lembranças da minha história e que você não estava. Prezemos o bom senso!
Não me venha falar que você era mais fã de Westlife que eu, pois logo perguntarei qual a data de nascimento do Mark e qual a segunda faixa do terceiro disco deles. Fui eu quem beijou por noites a fio o pôster gigante colado na parede e fez brigadeiro de colher pra comemorar os 23 anos do Kian. E que chorei a distância, e que fiz simpatia pra me casar com ele. E só elas participaram dessa jornada comigo.
Eu e minhas amigas éramos cinco. Quatro por um tempo, depois cinco. Inseparáveis e estranhas. Nadávamos contra a maré, mal percebendo que a correnteza era pro outro lado. Éramos felizes assim, nesse mundinho nosso de cinco amigas com quatorze anos. Cinco adolescentes que usavam batom preto na escola pra comemorar o halloween e preferiam AllStar a Nike Shoks. Ganhamos alguns inimigos e nem ligamos. Sentávamos no mesmo banco de madeira toda sexta-feira após a aula e jogávamos conversa fora, ríamos sem parar e sonhávamos juntas. Uma historinha a la “Quatro amigas e um jeans viajante”,  sem calças mágicas, mas real.
Éramos as “Witch”, aquelas bruxinhas boas da revista mensal, lembra?  Cada uma com uma inicial, sem brigas ou confusões. Guardávamos os brindes a cada mês, e eu usei até quebrar aquele Coração de Kandrakar que, para mim, era muito mais que uma bola de gude e acrílico, era parte da nossa magia. Éramos perfeitas assim, e mantenho viva essa memória, apesar dos dez anos que nos separam. Então alguém resolve, sem sequer pedir licença, se intrometer nessa memória, e relembrar com tanta nostalgia uma história que foi minha, minha e delas, e ainda dizer que nunca se esquecerá. Acho que, pela primeira vez, eu realmente soube o que é sentir ciúmes. Senti meu coração aberto com uma chave que era cópia, senti que roubavam de mim aquele presente inestimável que quem me deu nunca mais dará outro. Senti uma pontada de raiva, confesso.
Senti pena. Talvez aqueles anos bons, aquela vidinha estranha que eu tanto estimo, tenham sido admirados por alguém que nem sequer me disse “oi” alguma vez na vida. E me senti feliz, por ter sido uma das protagonistas daquela amizade que começou no início dos anos escolares e foi crescendo, ao pegar emprestado um corretivo e ao cruzar muitas vezes nas oficinas de teatro.
Sinto ciúmes das minhas lembranças, porque me dói tê-las deixado no passado. Sinto falta das minhas outras metades, outras quatro metades, que me deram o privilégio de viver uma adolescência sem traumas, onde os sonhos eram possíveis e a realidade podia ser vivida numa boa, ao som de nossas vozes desafinadas cantando no recreio.

Sobre marias e retalhos - Mal-entendidos



Ele não tava afim de mim. Claro que não! Essa mania de confundir as coisas é que me mata. O tempo todo a Mari disse “vá com calma, pode não ser desse jeito”, mas claro que eu preferi ignorar a racionalidade dela. Pensa só, o cara ri das suas piores piadas, encosta como se fosse normal, sempre puxa um papo e nunca te deixa de lado. “Lis, com certeza tem algo mais”, bem o que a Nana falaria. Essa Ana Maria ainda vai ser escritora, e das boas! Nunca vi mente tão fértil pra criar situações e nos fazer acreditar nelas. Me fazer acreditar nelas. A Mari é racional demais pra se levar pelas lorotas da Ana , a não ser que seja muito do interesse dela.
Enfim, o cara não tava afim. E eu bem pensei que podia rolar alguma coisa ali. E muitas pessoas bem que pensaram também. Só ele que não. Ele e a loira do cabelo perfeitamente ondulado, com efeito maresia em pleno inverno, com quem ele dividia um milkshake. Talvez meu jeans remendado no bolso de traz e minha velha camiseta dos Stones  - aquela com uma foto da época em que o Mick era gato e minha mãe tinha pôsteres dele colados na parede - não valessem assim dois canudos um copo só. Me dei mal nessa, mas acho que só eu percebi. Bom, eu, a Mari – que fez questão de soltar o velho “eu te avisei” (nada dá mais prazer a ela que um bom “eu te avisei”), e a Nana - que sabe como ninguém usar os meus fracassos para o bem e sacou logo o caderninho de anotações que dei pra ela no último aniversário, para escrever alguma hitória inventada na hora.
Sabe o que mais, dessa vez nem foi tão ruim assim. Pelo menos eu sei que, apesar do canudo duplo, quem tomou todo o shake foi ele. Cabelos perfeitos sempre acompanham dietas.  O meu seria um duplo de baunilha com raspas de chocolate, aquela maravilha que só o seu Antônio da lanchonete faz. Coloquei meus fones, liguei meu iPod na lista “pós erros de percurso” (a que fica logo abaixo da lista “dessa vez rola”), e fui andando calçada a fora olhando com tristeza meu velho AllStar vermelho que começou a rasgar. Atrás de mim, vinham minhas amigas que nem ligavam para o meu isolamento sonoro, só se preocupavam mesmo em discutir mais uma vez essa história de quem estava certa afinal.