terça-feira, 31 de julho de 2007

À Bailarina Sem Sapatilhas‎


Querida bailarina que chora os pés descalços, o palco da vida não quer saber se tu bailas com as pontas de uma sapatilha ou com as pontas dos dedos dos pés, ele exige que bailes.
A melodia do amor que embala tua dança pode, muitas vezes, se mostrar como um ruído insuportável e entonteante, mas tu tens mãos para tapar as orelhas. Já pensaste em ouvir com os olhos?
Lembras daquelas antigas caixinhas-de-música em que, ao serem abertas, tocam uma som leve e tu vêdes uma dançarina a rodopiar? Algumas trazem apenas uma dançarina, outras um casal. Apesar da diferença em número de bonecos, a música continua a ter a mesma serenidade. O mecanismo que dá vida aos dançarinos do artefato é o coração que bate em teu peito.
Às vezes tu ries, em outras, choras. Não podes evitar que tropeces ou caias, mas nem por isso deves render-te ao chão. A verdadeira bailarina não é a que nunca torce o pé, mas a que dança apesar da torção.
Não deixes que teus pés descalços ceguem teus belos olhos que buscam estrelas, nem parem as engrenagens de teu coração. Dances em uma sala com espelhos e verás o cisne que és, em meio a estes tantos patos.
Confio em ti.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

A menina que colecionava abraços

Quase todo mundo tem uma coleção. Tem gente que coleciona bonecas, tem gente que coleciona latinhas, tem os que colecionam selos, alguns colecionam cartões, outros, carrinhos; tem até quem colecione botões (de todos os tamanhos, cores e modelinhos diferentes). Ela também tinha a sua coleção: colecionava abraços!
Desde bem pequenininha, sempre fora uma menina muito carinhosa e serelepe, que adorava dar abraços. Mal podia ver a mãe distraída pendurando roupas no varal e ia ela correndo agarrando suas pernas num abraço apertado; o pai chegava do trabalho e já estava ela esperando na porta para dar um pulo em seu colo e outro abraço. Adorava fazer um paparico nas irmãs mais velhas. Mas, o que ela mais gostava de todas as tantas coisas que ela adorava, eram os almoços de domingo na casa dos avós: lá tinha tios, tias, primos pequenos, primos grandes, madrinhas e padrinhos (os dela e os dos outros), sem esquecer a Bituca, a cachorrinha vira-lata que morava no quintal de terra. Era o paraíso! Abraçava todo mundo uma, duas, três, quatro vezes pelo menos.Era como se cada abraço renovasse as coisas boas e coloridas que brincavam dentro dela.
Um dia, ganhou do pai uma máquina fotográfica. Não achou graça, mas começou a levá-la em todos os almoços da vovó. Curiosa para saber como ficariam, esperou o dia em que o pai mandara o filme para revelar.
Até então, nada demais: fotos da vovó cozinhando e o tio pegando batatinhas escondido, as irmãs mais velhas trocando olhares com os primos bonitos, a Bituca enterrando um ossinho... mas, assim como num estalo, seus olhinhos infantis brilharam. Brilharam tanto que pareciam soltar faiscas. E um sorriso largo e feliz brotou daquela boca tão pequenininha.
Ali, no fundinho daquela foto, atrás das tias fofoqueiras, um detalhe quse imperceptível: o vovô e a vovó, bem pequenininhos, num abraço deseperadamente gostoso! E ela entendeu que não poderia ter ganho melhor presente em toda sua vida! Levava agora sua máquina fotográfica para cima e para baixo, em todos os lugares que ia. Fotografava discretamente cada abracinho que encontrava, fosse em casa, no quintal dos vizinhos, na escola, nas missas semanais, as pessoas nas ruas. E assim foi, ano após ano.
Quando cresceu, trocou sua câmera por uma mais atual e resolveu começar um curso de fotografia na cidade grande em que agora vivia. Os almoços de domingo da vovó eram agora passeios solitários no parque, observando os velhinhos jogando pipoca aos pombos e as crianças andando de bicicleta.
Nem por isso se sentia solitária, porque - diferente de qualquer um - ela tinha em casa, em cada parede, o maior acervo de carinho que alguém poderia ter no mundo inteiro.


P.s.: Um abraço gostoso tem efeito de um furacão no organismo: eleva o nível do hormônio ocitocina - que influencia comportamentos e emoções -, reduz a pressão sanguínea e ainda diminui os niveis de cortisol - o hormônio do estresse.
Além da sensação de conforto e bem-estar, o abraço ainda diminui o risco de problemas do coração, já que ajuda a controlar a pressão do sangue.
As mulheres são as mais beneficiadas, nelas a variação hormonal durante um abraço é bem maior.

(texto do p.s.: campanha "Abrace o Mundo", feita para minha aula de Lógica e Argumentação, em 2005 - a fonte foi uma revista Capricho que eu tinha xD)

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Do pra sempre que existe II - sobre dois corações que são um

Quem passava por ele na rua se encantava: passos lentos, semblante contente, olhos brilhando. Vestia o velho fraque que ficava guardado para ocasiões especiais. Ajeitava a todo momento a gravatinha borboleta, ligeiramente torta. Um presentinho na mão e muitos pensamentos na cabeça. Não se completa sessenta e um anos de casamento todos os dias. Principalmente se tratando de sessenta e um anos de um amor puro e feliz, como o deles.
O presentinho levado pelas mãos trêmulas era uma singela lembrança para recordar o que viveram juntos. Mandara restaurar a correntinha que dera a ela no primeiro encontro. Numa época em que primeiros encontros significavam intenções sérias. Não como nos dias de hoje em que as pessoas não sabem mais o valor de um sentimento.
Ele amava cada detalhe dela, cada olhar de carinho, cada toque cuidadoso, cada beijo na testa antes de dormir, cada vez que dançavam ao som da mesma música em meio aos últimos raios de sol que o fim de tarde trazia. Ele a amava como jamais amaria a si mesmo.
Não se envergonhava de dizer que ela fora a primeira mulher que conhecera e que seria a única em toda a vida. Porque se a vida tinha algum sentido, era por causa dela.
As meninas da família cresceram sonhando um dia viver um amor assim.
Enquanto andava, sorria ao pensar em cada momento da vida que tinham, até se aproximar do edifício onde sempre moraram. A porta do apartamento estava propositalmente entreaberta; do corredor ele podia ouvir as notas daquela mesma música. As flores sobre a mesa confirmavam o quão especial era essa data.
E lá no canto da parede, próximos a janela, dois olhinhos sinpáticos que mais pareciam duas estrelas, davam luz a um sorriso que guardava um convite especial.
E os dois dançaram mais uma vez, enquanto, serenamente, ele abotoava a velha correntinha ao redor do pescoço dela.



P.s.: Porque o amor não é feito de presentes caros, restaurantes chiques ou viagens pelo mundo. O amor se faz na breve distância entre dois corações que batem no mesmo compasso e só precisam sentir um ao outro para estarem vivos. Talvez seja esse o segredo do "pra sempre".

Das máscaras cotidianas

Cinco e meia da manhã, como de costume, o despertador tocou. Apesar da empolgação por ter chegado, enfim, a sexta-feira, alguma coisa parecia falar em seu íntimo que não levantasse. Mas nada podia fazer.
Levantou-se, lavou bem o rosto para levantar os ânimos, não comeu nada diferente do que costumava comer todos os dias, saiu. O dia, ainda escuro, estava diferente. Percebia-se que alguma coisa não estava muito certa. O vento forte e a neblima a acompanharam até o ponto aonde passaria o ônibus. Percorreu todo o caminho estranhamente pensativa.
No local de trabalho, nada aparentemente anormal. Ligou o computador, abriu a caixa de e-mails. Nada novo. Leu as notícias que o jornal trazia. E pensava.
Ouviu um ruido. Vinha da maçaneta da porta principal. Mais alguém havia chegado cedo. De repente, o que não havia entendido até então começou a ter sentido. O proplema não era a rotina, ou o que fazia exatamente, mas as pessoas.
Era uma sensação quase insuportável sentir aquele sorriso tão falso quanto o da saudade se aproximando, dizendo um "bom dia" assombrado e emitindo uma energia sugadora de energias boas.
Impressionante como uma unica pessoa nem tão alta assim, nem tão bonita assim (realmente, não era bonita, talvez fosse culpa do sorriso), nem tão interessante assim, conseguia tirar tudo que há de bom da alma de outra.
Nada a fazer, a não ser contar os minutos para o fim do dia. Alguns recomendavam um bom banho de sal grosso, mas o simples fato de lembrar por alguns instantes do velho ditado que as avós contavam tem fundamento, já aliviava: "Menina menina, peixe morre pela boca!".
-"Tomara que fisguem logo essa daí!"
E voltava ao trabalho, tentando prestar mais atenção na musica baixa do que nas gargalhadas ao redor.


P.s.: "Não é o desafio que define quem somos nem o que somos capazes de ser, mas como enfrentamos esse desafio: podemos incendiar as ruínas ou construir, através delas e passo a passo um caminho que nos leve à liberdade."(Richard bach)

terça-feira, 24 de julho de 2007

Das linhas da amizade

O telefone tocou. Era tarde e ela já dormia, talvez até sonhasse. Podia não atender se quisesse, mas preferiu saber do que se tratava. Sonolenta, não lembrava bem o que dizia, mas gostava. Sem ao menos perceber ja se encontava completamente acordada, e sorria.
Conversa longa. Comentários sérios, brincadeiras cretinas, silêncio constrangedor. E assim foi. Aqueles mais ou menos duzentos minutos não pareciam bastar quando tantas palavras e tantas idéias surgiam como mágica na cabeça.
Ria baixo pra não incomodar ninguém. Se divertia tanto com aquilo tudo, que nem sequer se lembrou que o despertador tocaria dali a poucas horas.
Do outro lado da linha, ele que não tinha noção exata do que o fez pegar o telefone e discar o número dela, tão tarde da noite, percebeu então que nada é por acaso. E entendeu que valia a pena. E entendeu também que tudo que ela dizia era sincero. E se sentia tranquilo, apesar de tudo.
E os dois descobriram juntos que amizades pra valer não são feitas de palavras e conselhos apenas; mas de sorrisos e silêncios, quando o coração se permite falar e um sopro vale mais que quelaquer palavra ou intenção.



P.s.: Encontrar o verdadeiro sentido escondido dentro de si mesmo pode levar mil anos ou uma breve madrugada com cheiro de flores brancas, junto a alguém que só se quer bem.
(créditos do p.s. - Outro Viés de ilusão)

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Das coisas que a gente não escolhe


E quem a via de longe, se perguntava o motivo dos olhos vermelhos. O motorista do carro que precisou frear para não acertá-la, não poderia imaginar o que a fez tão distraída. Qualquer menina que há tanto coloca o famoso Santinho de cabeça pra baixo, teria inveja dela. Mas ninguém poderia realmente imaginar as confusões e contradições que se misturavam naquele coração.
Ela se consideraria com sorte pelo cara certo ter aparecido na sua vida. Ela se consideraria com sorte, se já não tivesse aparecido um cara certo antes, aquele que incontestávelmente se tornara o amor de sua vida.
Não há espaço para dois amores em um coração só. Ele sabia disso. E sabia que não podia querer mais do que o carinho da amizade dela, sabia que não seria justo querer mais. E respeitava.
Com o coração apertado, ela não tinha o que fazer, a não ser guardar eternamente um afeto especial e desejar, com tudo que podia, não perder o amigo que poderia então ter encontrado, enquanto somente uma palavra se formava em sua cabeça.
"Obrigada"



P.s.: “A vida inteira eu me lembrarei de você, e você se lembrará de mim. Assim como nos lembraremos do entardecer, das janelas com chuva, das coisas que teremos sempre porque não podemos possuir.”
(Brida - Paulo Coelho)

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Dos dias em que os por ques não vêm com porques


Tem dias em que simplesmente não se sabe.
Não se sabe que horas são, não se sabe o que fazer no próximo segundo, não se sabe qual ônibus pegar ou em qual ponto deve descer. Não se sabe o que pensar, o que falar, o que ver. Não se sabe o que ser.
No espelho o reflexo de um rosto vermelho e molhado por lágrimas compostas de dores, amores, perdas, ganhos e mais alguma coisa dessa matéria confusa chamada pensamento. Mas também não se sabe.
Dos tons de cinza que o dia parece ter, se destaca o dos olhos. Opacos. Os passos, os atos... Mecânicos.
Há quem chame de crise existencial, uns arriscam TPM (no caso feminino, claro!), tem também os que acreditam ser coisa de cabeça fraca, mas eu particularmente entendo como uma incrível carência de si mesmo.
Não sei.


p.s.: o problema é quando esses dias duram semanas.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Dos escritos - parte I



Ela nunca esqueceria aquele 25 de agosto de treze anos atrás (um dia depois que completara seu décimo aniversário), quando sua irmã mais velha sumira pelo mundo, mas deixara um último presente: em cima do velho sofá azul, um caderno pequeno de muitas folhas levemente amareladas e uma capa bordada com um bilhete na primeira página, que dizia alguma coisa sobre buscar a felicidade independente do julgamento das pessoas, mesmo que fosse preciso abandonar tudo que conhecia se acreditasse não estar ali e nunca esquecer da importância de saber amar e entender que, apesar do tempo e da distância, há amores que são eternos, como o amor que uma sentia pela outra.
Ela nunca esqueceria...