terça-feira, 20 de julho de 2010

Sobre caixas, sofás e memórias


Era dia e, deitada na cama, olhava as dúzias de estrelas fosforescentes coladas no teto. Em meio a um pensamento e outro, levantou-se de súbito e desceu as escadas que davam no primeiro andar. Saltitou em direção ao aparador do corredor de entrada e, tirando a tampa de um velho vaso vasculhou até encontrar uma chave manchada pela ferrugem. Observou os quatro cantos do objeto com um sorriso nos lábios, segurou-o firme e caminhou rumo ao armário debaixo da escada.

Torceu com facilidade a maçaneta dourada e, dentro do pequeno cômodo que guardava algumas caixas esquecidas, olhou mais uma vez a velha chave, arredou dois ou três quadros que pintara quando criança e encontrou enfim a porta branca empoeirada que não era aberta há tanto tempo.

Limpou com delicadeza a abertura e encaixou a chave com um pouco de dificuldade. Duas voltas para a direita e o estalo que escutou foi suficiente pra saber que havia conseguido. Abriu a porta suja e apreciou as escadas de madeira que davam pro velho porão em que tanto se divertira quando moleca. Acendeu a luz, ainda funcionava, e desceu.

Encontrou caixas e caixas sujas que guardavam coisas velhas, objetos de sua infância, as primeiras obras de sua mãe. Era um santuário de recordações. Deparou-se com o grande baú talhado que guardava os antigos figurinos de teatro de sua avó, mas o que ela procurava de fato estava por trás de tudo, no canto, coberto por uma gasta colcha de retalhos.

Quando percebeu o móvel guardado sob o pano, não teve dúvidas. Descobriu-o com pressa e sorriu como há tempos não fazia. Deu-se o direito de uma gargalhada ou duas e sentiu manifestar em todo o corpo a intensidade de todas as lembranças, histórias e sentimentos bonitos que guardava desde a última vez que estivera ali.

Era a primeira vez que voltara àquela casa desde que se mudara para estudar fotografia. Havia levado com ela sua primeira câmera que guardava com esmero, e emoldurado aqueles primeiros abraços descobertos com ela, mas aquele grande objeto em sua frente ainda não tivera a chance de carregar pra junto de si. Seu refúgio de menina, seu berço de fantasias, um pedaço de quem foi e agora o desejo de ser também o tudo que havia por vir.

Sem se preocupar com a poeira, com as teias de aranha ou mesmo os vestígios das traças, sentou-se nas macias almofadas de seu velho Sofá Azul e acariciou o tecido num tom de agradecimento. Encostou a cabeça de um lado e levou os pés agora descalços ao outro. Fechou os olhos e tornou-se novamente a pequena dona do seu colorido mundo imaginário de sonhos e pinceladas azuis, como seu sofá, o mundo que, por algum tempo, achou que nunca voltaria.

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