terça-feira, 5 de abril de 2011

Sobre a Morte



Era só mais um dia usual, um dia de semana, um dia como outro dia qualquer. Estava frio e os cabelos dela acompanhavam a dança do vento, vez ou outra precisava levar a mão ao rosto e desviar os fios que insistiam em tampar sua visão. Olhou o relógio no pulso esquerdo. Quase cinco e meia. Virou a próxima esquina, em sentido ao ponto de ônibus. Então se deparou com alguém de que sempre ouvira falar, mas nunca havia encontrado assim, pessoalmente. Foi no meio daquela tarde usual de um dia de semana qualquer que ela conheceu pela primeira vez a Morte.
Sempre pensou em como seria a Morte. Quando pequena, não podia entender. Quando começou a entender, sentiu medo. Com o tempo percebeu que seu medo era do vazio, o vazio que a Morte trazia. Imaginava a morte translúcida, e sentia frio. A morte era o vento daquela tarde. A Morte a encarava com dois belos olhos azuis sem brilho, olhos com o azul de um céu nublado, olhos com o ar de um domingo à tarde, daqueles domingos em que nada se há de fazer. A Morte tinha cabelos louros e lisos, com uma leve franja que cobria a testa sem cor. A Morte tinha lábios finos que pareciam um dia ter sido rosados. A Morte usava calça jeans e paletó, tênis novos e camisa azul, pouco mais sem brilho que os olhos. A morte tinha as unhas cortadas, e um calo no dedo médio da mão esquerda. Talvez a Morte fosse canhota.
A Morte guardava memórias por trás dos jeans e dos azuis. Memórias que ela desejou entender e conhecer, ao encontrar a Morte. Nela, um nó na garganta a fazia sentir viva. Nele, um nó no pescoço já não lhe permitia mais a vida.
Deixou que o vento desalinhasse seus cabelos, tampando seus olhos. Olhou o relógio no pulso esquerdo. Olhou a Morte mais uma vez. Sentiu pena. Sentiu frio. Sentiu a dor e a alegria do pulso que batia em compasso.
Agora não era só mais ela. Em volta outras pessoas, outras vidas, observavam de perto a Morte, com receio de dizer “oi”.
Seguiu seu caminho usual, naquela tarde qualquer de um dia de semana. A Morte não era tão assustadora, afinal. A Morte era sim vazia, mas, mais que vazia, a Morte era triste. Tristeza que só as memórias da Morte podiam explicar. Mas as memórias morreram com a Morte.

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