
Aos poucos a grande almofada deixou de ser tão grande, e os livros ilustrados ganharam mais páginas e menos gravuras. Ainda havia muito tempo, mas não mais o mesmo tempo.
A vida passou rápido como as páginas de um livro ao vento. Do início se foi ao meio num soprar, e do meio quase se chegou ao fim.
As histórias mudaram, tinham mais capítulos curtos, menos capítulos longos. Tudo se resolvia, tudo acontecia, tudo mudava de uma pagina a outra. E quando fechava o livro e olhava janela a fora os raios de fim de tarde que adentravam a sala, percebia que também era assim com a vida dela.
A amiga, que há pouco tinha pavor do primeiro beijo, casou-se há uma semana. O azul que pintava suas unhas era aquele mesmo do primeiro esmalte comprado. Da boneca tantas vezes costurada não lembrava mais o paradeiro. Os livros lidos se juntavam na estante cada vez mais rápido, assim como a carteira da biblioteca lotava com tantas datas. E, no intervalo entre a grande almofada do sofá azul e as leituras na cadeira dura do ônibus de todo dia, um espaço em branco marcava sua história.
Na tentativa de recuperar a história não lida, voltou página por página, procurando se lembrar onde parou. Não havia marcadores de página.
Percebeu então que queria novamente sentir a eternidade de um dia, sentir cada movimento do sol ao nascer até se por, parar tudo por um momento e se jogar mais uma vez no imenso conforto de um velho sofá, não mais com um livro ilustrado nas mãos, mas com um caderno em branco, e a chance de ser ela a autora da própria história.
Texto publicado no site Mundo Ela