sábado, 20 de agosto de 2011

Sobre páginas, palavras e memórias ao vento

Ela costumava se aninhar na imensa almofada do sofá azul da sala de estar, sempre com um livro nas mãos. Os olhos percorriam as páginas com fervor, mas sem urgências. Havia muito tempo para a vida a ser vivida.
Aos poucos a grande almofada deixou de ser tão grande, e os livros ilustrados ganharam mais páginas e menos gravuras. Ainda havia muito tempo, mas não mais o mesmo tempo.
A vida passou rápido como as páginas de um livro ao vento. Do início se foi ao meio num soprar, e do meio quase se chegou ao fim.
As histórias mudaram, tinham mais capítulos curtos, menos capítulos longos. Tudo se resolvia, tudo acontecia, tudo mudava de uma pagina a outra. E quando fechava o livro e olhava janela a fora os raios de fim de tarde que adentravam a sala, percebia que também era assim com a vida dela.
A amiga, que há pouco tinha pavor do primeiro beijo, casou-se há uma semana. O azul que pintava suas unhas era aquele mesmo do primeiro esmalte comprado. Da boneca tantas vezes costurada não lembrava mais o paradeiro. Os livros lidos se juntavam na estante cada vez mais rápido, assim como a carteira da biblioteca lotava com tantas datas. E, no intervalo entre a grande almofada do sofá azul e as leituras na cadeira dura do ônibus de todo dia, um espaço em branco marcava sua história.
Na tentativa de recuperar a história não lida, voltou página por página, procurando se lembrar onde parou. Não havia marcadores de página.
Percebeu então que queria novamente sentir a eternidade de um dia, sentir cada movimento do sol ao nascer até se por, parar tudo por um momento e se jogar mais uma vez no imenso conforto de um velho sofá, não mais com um livro ilustrado nas mãos, mas com um caderno em branco, e a chance de ser ela a autora da própria história.



Texto publicado no site Mundo Ela

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