terça-feira, 10 de maio de 2011

Dos fins, dos meios, e da fé ao final das contas

Com a mão direita, pousou o santinho sobre o caminho de tricô que ornava a mesa da cozinha. De mãos livres, revirou duas ou três gavetas do armário próximo à entrada, conferiu o que estava escondido atrás das portinholas sobre a pia para, enfim, dentro do pote de porcelana sobre a geladeira azul clara, encontrar o rolo de barbante que costumava guardar para tal ocasião.
Usou a fita métrica para medir os usuais quarenta e cinco centímetros e cortou o barbante com a tesoura de costura. Sentou-se na cadeira mais próxima ao santo, de cabeça baixa, concentrando-se nos desejos ansiados, enquando dava com cautela três nós em uma das pontas do cordel.
Por um momento seus olhos cruzaram com os pequenos olhos pintados do Santinho que carregava o menino no colo. Sentiu pena.
Aprendera a simpatia quando criança, observando de perto as tradições ensinadas pela avó, nunca duvidando do resultado. Mas ao olhar fundo nos olhos do santo de gesso, por um momento repensou o que estava prestes a fazer.
Seu Santinho nunca havia falhado antes. Seria pela coação ao ser deixado de ponta a cabeça toda vez, ou seria porque, apesar de estar de cabeça para baixo, considerava mais o coração da menina que tinha um desejo do que os fins que usava para justificar os meios?
Resolveu dar ao santo o benefício da dúvida.
Enrolou com jeito os quarenta e cinco centímetros do barbante com três nós na ponta, e guardou-o novamente no pote de porelana. Com a mão direita, levantou o santo, tirando-o do desconforto e da tensão do tricô sobre a mesa, devolvendo-o ao seu lugar cativo no pequeno altar da sala.
Fez um sinal da cruz, por via das dúvidas, e saiu faceira porta a fora, arrastando a longa saia rodada pelo chão, de consciência limpa pela boa ação realizada, e com a fé inabalada batendo no peito.
Porque tudo daria certo, como sempre dera.

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