quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Sobre olhos que inspiram


Quarta feira - algo em torno de seis e meia da manhã -, não diferente dos outros dias, entro no ônibus, cumprimento o motorista. Cumprimento o trocador, passo pela roleta e, num lapso de olhar, meus olhos cruzam com outros, castanhos estes. Nada anormal, a não ser a intrigante imagem com o qual me deparei: usava um agasalho de lã - gola alta - sob outro agasalho, este fechado com zíper, gola alta também, numa lã em tons azulados com alguns detalhes em vermelho. Elegante. Não era muito alto, nariz fino, usava um jeans claro do tipo rasgado e um sapato social marrom, aparentando uma personalidade autêntica.
Os cabelos lisos um pouco bagunçados e a barba mal-feita ilustravam o semblante sonolento. O caderno no colo - capa amerala, desenho de um carro que não me lembro o modelo - dava idéia de aula. Talvez fosse para faculdade. Parecia mesmo universitário.
Vez ou outra percebi que olhava, discretamente, em minha direção. Um olhar tão intrigado quanto o meu. Não consigo imaginar o que passava por trás daqueles olhos castanhos que miravam a janela tão distraídos.
Era bonito.
O ponto em que eu desceria se aproximou. Levantei-me, toquei o sinal e esperei, enquanto olhava, uma última vez, aquela imagem. Desci.
Gostaria de saber qual terá sido seu destino, por que ruas passou até chegar ao lugar certo, o que escreveu nas folhas do caderno, a quem cumprimentou e sorriu, quem era.
Não o verei novamente, mas não esquecerei do moço que, numa quarta-feira qualquer, sem a menor idéia que o fazia, me inspirou um novo texto.
Mais um dos mistérios da arte.



P.s.: Talvez a inspiração esteja guardada nos olhos dos que vêem com o coração. Poetas. Sonhadores. Nós.

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