sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Blue and Yellow

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Seu nome era Alex. Seria, mas não posso deixar de aceitar que ele existiu. Existiu por pouco mais de três meses dentro de mim, quando saber o seu sexo ainda era uma expectativa pra daí algumas semanas. Ninguém sabia, só nós dois, nós que o criamos acidentalmente nas idas de um romance maluco e possível.
Recebi aquela ligação de "Boa noite, você sabe o quanto eu queria estar aí!" em meados de março. Sorri e respondi um "boa sorte, a gente se vê logo" sincero, porque tudo aquilo era tão verdadeiro que eu mal acreditava. Olhei a vista da janela mais uma incansável vez e dormi.
Estava num parque, coisa assim, me lembro da grama, alguns arbustos com flores amarelas e um céu sem nuvens, como numa tarde de sábado bom. Um pequeno rapazinho, de poucos anos, cabelos castanhos e olhos penetrantementee verdes veio correndo até mim, sorrindo. Ele sorria um sorriso que a gente só sorri pra quem confia, e abraçou minhas pernas. Perguntei quem era e ouvi um "Sou eu mamãe, não reconhece? Meu nome é Alex! Vim dizer tchau, sabe?! Acabei de saber, me chamaram pra ser anjo! Não é bonito isso? Não fique triste, não assim! Isso é uma coisa boa! Eu sempre vou amar vocês e vou poder cuidar de vocês lá de cima, sabe?! É bonito! Dê tchau a ele pra mim, tudo bem?"
Não sei se tentei correr atrás enquanto ele saltitava para o lado oposto, o que me lembro mesmo é de ter acordado num sobressalto e ter tido a sensação de estar molhada, viscosa. Apalpei a cabeceira da cama até achar o interruptor e, ao acender a luz, pude enxergar o mar vermelho que me inundava e nascia de mim. Não tive tempo de me apavorar, era confuso demais. Liguei para a emergência e esperei. Mandei-lhe uma mensagem de texto, não tinha voz.
Acordei num pálido quarto de hospital com ele olhando pra mim, aquele cabelo curto, meio arrepiado, olhos fundos de quem não dormiu, a boca seca de quem não sabia o que dizer, e aquele nariz que me conquistou desde o primeiro e inesperado encontro. Consegui sorrir. Apesar de vazia, não estava mais sozinha. Me abraçou sem jeito, me beijou sem jeito, mas confortou o inconfortáel.
Chegando em casa, quase havia esquecido da bagunça que me esperava. O lençol escarlate me lembrava do que acontecera enquanto dormia. Contei a ele sobre o sonho. Me beijou um beijo profundo e me ajudou a apagar toda evidência física daquela terrível madrugada.
Perto de uma semana depois, nos demos as mãos e fomos juntos para aquela sala de espera. Havia cores e desenhos fúnebres, caveiras mexicanas e um retrato pintado da Frida Kahlo. Não pude parar de olhar aqueles olhos de tinta. Nos chamaram.
"E aí, quem vai ser?"
"Os dois! A mesma coisa."
"O que vai ser?"
"Um nome."
Hoje não estamos mais juntos, não num romance. Somos amigos, uma amizade maluca e possível. Moramos longe um do outro, nos ligamos sempre, eu desabafo minhas desventuras, ela não consegue abafar suas aventuras. Ainda rimos um do outro e, sempre que olhamos no espelho aquele pedaço de nossas peles, estamos no mesmo lugar.
Sempre seremos um só ao lembrar do que quase nos fez três. 
Há noites em que eu sonho com um parque de grama verde e flores amarelas. E sinto-me completa, feliz. Aprendi assim que o fim não precisa ser só o fim, pode ser um novo caminho pro pra sempre. O pra sempre que sempre vai existir.

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