quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Sobre o meu avô, Senhor Doutor...

Escrevi para os médicos o que me pediram para escrever sobre ele, mas se pudesse escolher, diria assim:

"Doutor fulano de tal,
Meu avô já foi um grande inventador de histórias. Eu tinha oito anos e acordava de madrugada. Era só bater na porta dele e, pronto, tirava uma novinha do bolso para me acalentar até o sono voltar. Eu ria e o sono vinha, vinha rápido. Nunca me perdoei por dormir antes do fim de cada uma delas.
Meu avô gosta de paçoquinha, especialmente depois do almoço. Lembro de quando ele mesmo fazia as dele, no liquidificador, pra comer de colher, e eu me esbaldava com ele. E ria.
Ele esconde as balas pra não dividir com ninguém, mas acaba ficando com dó e passa pela nossa porta, meio tímido, perguntando se a gente quer.
O pulôver cinza dele, esse ele tem desde que eu me entendo por gente e entendo ele por vô. Combina com o cabelo grisalho dele e ele gosta de usar mesmo no calor. Quando tá quente, ele tira o pulôver no quintal, franze a testa e pendura ele no varal. Mas como a casa é fria, logo ele coloca de novo, pra terror da minha avó.
A cozinha deve ser o lugar preferido dele, porque ele gosta de beliscar comida o tempo todo, mas é magrinho e não recusa nem jiló.
Meu avô é forte no muque, mas merece cuidado no coração.
Meu avô é um menino grande, que faz birra às vezes e xinga palavrão, cruza os braços, amarra a cara e se esconde.
Meu avô é um menino grande que gosta de brincar e de rir também.
Ele quer construir um helicóptero, mas tem medo de altura. E diz que vai fazer também um engenho bem grandão, com motor e tudo mais, porque disso ele entende bem.
Meu avô é um menino grande que tropeçou, caiu e precisa da sua ajuda pra se levantar, porque, alguns machucados, o mertiolate que a gente tem em casa não sara.
Meu avô, doutor, acho que tá de mau de mim, como eu já fiquei dele. Conta pra ele por favor, que não tem essa de "belém belém", que eu só quero que o tempo passe, que ele volte, e que tudo fique bem.
Porque, seu doutor, eu sei que dentro dele ainda bate um coração de menino, um coração que eu admiro e que me da orgulho de dizer que é de um avô e que é do meu. E, mesmo teimoso como é, eu quero acreditar que ele sabe, sabe sim, que o amor que tenho por ele é grande e maluco, feito as histórias que ele inventava, sem pé nem cabeça, só pra me fazer sorrir... E sonhar.
Meu avô, doutor, é um menino grande, mas é menino. Cuida dele pra mim!"


E ele cantava assim: "Ô, Shantal, quando fores pra lagoaaa, toma cuidado com o balanço da canoaaa..." E eu imaginava um balanço dentro de uma canoa...


"Que em teus momentos de solidão e cansaço, esteja sempre presente em teu coração a lembrança de que tudo passa e se transforma, quando a alma é grande e generosa. (...)
E, até que nos encontremos de novo, que os Deuses lhe guardem na palma de Suas mãos." 
- Oração Celta


2 comentários:

  1. Shan, esse sim é teu avô. Que venha a luz. A chave aparecerá. <3

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  2. Oi, Shantal. Tudo bem? Achei o teu blog por acaso e resolvi dar uma olhadinha. Adorei! Esse texto sobre o teu avô, principalmente, muito doce e querido. Acho que são belas memórias pra se ter de um vovô... Parabéns pelo blog e pelo jeitinho simpático de escrever os teus textos! Bjs :)

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